domingo, 24 de julho de 2016

Alberto Brum de Souza, O Significado do Natal - Natal Místico


Annie Besant na obra “O Cristianismo Esotérico” elucida muitos aspectos do lado místico e simbólico do Cristianismo. A autora mostra que o dia 25 de dezembro foi escolhido pelo Papa Júlio I, no século IV, para ser a data comemorada. Foi um decreto papal o instrumento usado para superar o impasse até hoje não solucionado. Leadbeater comenta que o dia 25 de dezembro foi selecionado da primitiva história eclesiástica “porque coincidia com o grande festival do Sol”[14] e que foi naturalmente conveniente tomar vantagem de uma celebração pública já existente.
Outro especialista sobre as origens do Cristianismo, o Dr. Alvin Boyd Kuhn, em seu livro, “A Rebirth for Christianity” nos fala que “em 345 d.C. uma encíclica emitida pelo Papa Júlio(*) decretou o deslocamento da data do natal de 25 de março para 25 de dezembro, com a expressa afirmação de que esta medida foi tomada para alinhar a celebração cristã do nascimento do Salvador com o costume dos seguidores de Baco e de Mitra que comemoravam o nascimento da Divindade no solstício de inverno”. [15] Portanto, é um reconhecimento oficial em relação ao fato de que a celebração do natal é anterior ao nascimento de Jesus.
O cristianismo, do mesmo modo que as outras grandes religiões, foi fundado no hemisfério norte, tendo suas datas relacionadas àquele hemisfério.
(*) Na edição de 1970 aparece Julio XI. Besant cita Julio I.


Em “The Inner Side of Christian Festivals”, encontramos que o renascimento do Deus-Sol ocorria após o solstício de inverno, sendo que a Terra atingia um ponto de reinício de sua órbita ao redor do Sol. O autor acrescenta: “aqueles que não reconhecem o significado simbólico da vida do Cristo naturalmente supõem que todas essas comemorações eclesiásticas são meramente históricas”. [16]  
São Crisóstomo, em 390 d.C., num trecho citado por Besant, disse que “este dia”, 25 de dezembro, em Roma, acaba de ser escolhido como o nascimento de Cristo, a fim de que os pagãos, ocupados com suas cerimônias, deixem os cristãos celebrar seus próprios ritos sem ser molestados. [17] Os “pagãos”, aqui referidos, são os outros povos e suas religiões. E eles não molestavam os cristãos, já que suas celebrações eram anteriores. Outra passagem semelhante encontramos na obra “The Gnostics and Their Remains” de C.W. King, que destacou: “a antiga festa celebrada a 25 de dezembro, em honra do nascimento do Ser Invencível, e assinalada por grandes jogos no circo, cuja data certa, como confessam numerosos Padres da Igreja, era então, como hoje, desconhecida”. [18]
Na obra “Decadência e Queda do Império Romano”, de Gibbon, lemos que “os romanos (cristãos), tão ignorantes como seus irmãos com relação à data do nascimento do Cristo, escolheram, para festejá-la, o 25 de dezembro, no momento das brumélias do solstício de inverno, nas quais os pagãos celebram cada ano o nascimento do Sol”. [19] Como vemos, são vários os autores que mostram a data do “natal” sendo adaptada ao solstício. Destaco outra colocação clara do bispo Leadbeater: “Estes festivais do Deus-Sol tinham sido preservados por milhares de anos antes do nascimento de Jesus”. [20]
Foi, pois, após o século IV que os “cristãos” passaram a celebrar o nascimento do “chrêstos”, o Espírito Divino, o Deus-Sol, do mesmo modo como faziam os chamados pagãos – egípcios, caldeus, gregos, hindus, astecas e vários outros povos. Em termos astronômicos, todos festejam o solstício de inverno, assim como a Páscoa tem relação com o equinócio de primavera no hemisfério norte.
Segundo o “Glossário Teosófico” de H.P. Blavatsky é provável que o solstício de inverno coincidisse primitivamente com o 25 de dezembro, mas que devido à precessão dos equinócios ocorre uma antecipação da hora do solstício anualmente. Blavatsky cita o escritor Emílio Burnouf, que no livro “A Ciência das Religiões”, diz que o culto cristão está distribuído segundo a marcha do Sol e da Lua e que o solstício de inverno no hemisfério norte está ocorrendo antes do dia citado. Hoje, se fôssemos ser fiéis ao aspecto astronômico, teríamos que celebrar o nascimento do Cristo místico no dia e no momento exato da posição do Sol. No ano de 1983, como exemplo, isto aconteceu às 10 horas e 31 minutos do dia 22 de dezembro, horário de Greenwich. Após o solstício, a Terra em seu movimento em torno do Sol, atinge a sua menor distância em relação ao Sol.  Em termos místicos significa que com o nascimento do Cristo a luz aproxima-se mais dos homens.

Alberto Brum de Souza, O Significado do Natal - O Nascimento de Jesus


Apesar do nascimento de “Jesus, o Cristo” no dia 25 de dezembro não ser um evento histórico, não devemos negar a importância mística e religiosa de lembrarmos o nascimento de um Grande Instrutor. Certamente terá um intenso efeito espiritual voltarmos o pensamento em direção ao Mestre Jesus. E, certamente, não pretendemos mostrar que o natal é um mero acontecimento astronômico. Esses dois aspectos, reunidos ao simbolismo e ao misticismo inerentes à idéia do nascimento do Cristo no coração dos homens, nos levarão a uma maior percepção do significado mais profundo, no qual o natal passa a ser visto como um grande Rito Cósmico, o qual harmoniza as forças espirituais do macro ao micro e microcosmos.
Como constantemente destaca Geoffrey Hodson, não podemos esquecer que toda narração bíblica possui nitidamente um caráter alegórico e que as etapas representadas por Jesus no texto são uma demonstração da jornada evolutiva da alma humana. Em “The Hidden Wisdom in the Holy Bible” o autor nos indica que a primeira chave para se interpretar as escrituras cristãs é tomar os relatos externos – pretensamente históricos – como acontecimentos interiores (subjetivos). Também Orígenes, o sábio cristão de Alexandria, realça que os textos bíblicos contém um “corpo, uma alma e um espírito”. Não devem ser tomados no seu sentido literal e sim assimilados a partir de seus níveis mais internos, usando-se a Gnose, instrumento indispensável para a compreensão real do sentido alegórico. A Bíblia é um texto inspirativo. Seus autores nunca pretenderam criar uma fonte de fatos históricos.
Nos ensinamentos de todas as grandes religiões existe a idéia da necessidade de “nascer de novo”, “ser iluminado”, “despertar” para outro nível de consciência. E sempre que isto acontece, brilha uma Estrela, símbolo do Homem Perfeito. É a presença invisível de Melquisedec, o supremo sacerdote de Deus na Terra, o Rei dos Reis, junto àquele que está sendo recebido na Comunhão do Santos, no Reino dos Céus, por ser ele o chefe da grande Ordem Espiritual no planeta. Este passo é sempre representado como um nascimento é a recepção da “criança” (símbolo da pureza) em um novo mundo.
A alegoria do nascimento de Jesus em uma “gruta”, ou em uma “caverna”, é o despertar da Alma, é o nascimento do Cristo interno, da Divindade presente nos corações dos homens. É o surgir da luz que dissipará as trevas. Em outra linguagem, diríamos que é na cavidade do coração que brota a Rosa que irá ser o centro da Cruz. Deste modo, o nascer do menino Jesus, na festa do natal, é símbolo do despertar da consciência crística.
São Paulo, que viveu depois de Jesus, nos relata que ele conheceu o Cristo quando foi arrebatado ao terceiro céu. Diz ele: “Conheço um homem em Cristo que, há quatorze anos foi arrebatado ao terceiro céu... E sei que esse homem foi arrebatado até o paraíso e ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem repetir”. [21] Era dessa experiência interior que ele retirava sua convicção para dizer que “Cristo em vós, é a esperança de glória”.
Esta perspectiva nos mostra que o natal é algo sempre atual, uma comemoração no presente e não mero lembrar do passado. É uma celebração interior, com vida e energia transformadora. Deve ser uma abertura do coração do homem para o coração do mundo. Sem dúvida o natal deve ser uma grande festa, mas uma festa para a Alma e a Natureza. Após toda uma preparação nos reinos invisíveis e nos mundos espirituais, e após o instante do solstício, todo o planeta recebe uma grande efusão de energia.

Por esse motivo, é correto considerar o natal como um Rito Cósmico e Ecológico, no qual podemos participar ativamente, tendo como centro o harmonizar-se com o todo e não apenas desejar receber. É importante estarmos abertos e receptivos, ao mesmo tempo em que procuramos contribuir com nossa força interior, ofertando bons pensamentos e criando um clima de paz e fraternidade. Há uma maior possibilidade de um despertar da consciência, pois bênçãos superiores infundem-se sobre a humanidade. Cristo nasce na Natureza, pois o natal não é apenas o nascimento simbólico do Sol. Em seu aspecto energético, é o nascimento do Cristo imanente na Natureza.

Alberto Brum de Souza, O Significado do Natal - O Natal dos Anjos



A teósofa Dora Van Gelder* em seu pequeno, mas sábio trabalho “O Natal dos Anjos” esclarece inúmeros pontos obscuros. Ela explica que “o principal propósito da festa de Natal é o nascimento do Cristo no mundo da Natureza” e que o Natal “é uma época de enorme atividade no reino angélico” [22]. Todo o reino Dévico dirige sua atenção a este evento, pois o Senhor Cristo é o Instrutor dos Anjos e dos Homens. Os Anjos ou Devas como são conhecidos no Oriente, são agentes ativos do Cristo na Natureza. O natal marca uma renovação e uma mudança das forças negativas e positivas que equilibram a vida oculta do planeta.

Essa efusão de forças espirituais produz uma vivificação da Natureza visível e invisível. Após uma enorme atividade e trabalho de preparação, chega-se ao natal, “exatamente depois do dia mais curto do solstício de inverno, no hemisfério norte, enquanto no hemisfério sul é celebrado depois do dia mais longo do solstício de verão” [23]. Busca-se um nível de equilíbrio. Correntes de força dirigem-se do Norte para o Sul e do Sul para o Norte. A autora ainda nos indica que todo esse movimento de forças, que começa bem antes do natal e que tem seu clímax no final de dezembro, tem dois aspectos: “Enquanto no Hemisfério Norte tem lugar um verdadeiro nascimento no Natal, no Hemisfério Sul o que ocorre é antes um aprofundamento da vida... No norte, alegria, amor e beleza são as influências predominantes; no Sul são derramados poder e força – um verdadeiro aprofundamento do Cristo na Natureza... Um é a elaboração de baixo para cima (“ Espírito Santo”), o outro, um verter de cima para baixo (uma verdadeira descida do Filho) “[24].

Com essa visão o natal transforma-se em uma esplendorosa festa nos mundos interiores. E é devido a essa influência que o “clima de natal” manifesta-se entre nós. Sem dúvida, é uma grande comunhão ecológica, que cresce de importância a cada ano devido ao desequilíbrio do planeta, às guerras e à imensa poluição ambiental. Só isto nos mostra a importância de nos conscientizarmos da realidade invisível deste momento e de colocarmos, com boa vontade, todas as nossas capacidades nesta celebração, aliando-nos ao majestoso e divino trabalho realizado pelo Reino Angélico. A vida e o equilíbrio do planeta necessitam da colaboração de todos, pois o mundo é um reflexo da ação dos indivíduos. Não há lugar para se manter a rotina das festas de fim de ano ou o desconhecimento do que realmente acontece ao final de dezembro.

*Dora Kunz – Presidente da Seção Americana da Sociedade Teosófica e Diretora do Centro Olcott, Wheaton, Illinois.

É ainda Dora Van Gelder que comenta a cerca da onda de vida que se espalha por todos os quadrantes. Isto mais uma vez torna nítido o caráter universal do natal. Durante o dia de natal a terra pulsa e vibra com as ondas de adoração que vão ao Senhor, provenientes das incontáveis hostes de Anjos pelo mundo afora e pelas meditações e orações sinceras. Em resposta às invocações e às adorações movidas pelo espírito de paz e confraternização, Cristo, auxiliado pelos seus agentes, derrama bênçãos de paz para toda a humanidade.

Tudo isto nos transmite uma nova compreensão e uma vontade de vivenciar esse ritual Ecológico. O natal é um momento especial para os homens abrirem seus corações à luz espiritual, da qual o Sol é o símbolo físico, para que o Cristo interno, “a esperança de Glória”, nasça em cada um, produzindo um novo viver. Felizes daqueles que estão disponíveis para tal oportunidade, pois certamente sentirão o que realmente significa um “Feliz Natal”.

Alberto Brum de Souza, O Significado do Natal - Referências


Este trabalho procurou reunir uma série de dados, a partir de autores que no nosso entender dão as informações mais valiosas para uma percepção do real significado do Natal. Indicamos abaixo as fontes, para um estudo mais detalhado:

Dora Van Gelder – O Natal dos Anjos, Sociedade Teosófica, Rio de Janeiro, 1979.
Annie Besant – O Cristianismo Esotérico, Pensamento, São Paulo, 1964.
C.W.Leadbeater – The Inner Side of Christian Festivals, The Saint Alban Press, Ojai, Usa, 1973.
Alvin B. Kuhn – A Rebirth for Cristianity, TPH, Wheaton, 1970.
H.P. Blavatsky – Isis Sin Velo, Editorial Eyras, Madri, 1977.
H.P. Blavatsky – O Caráter Esotérico dos Evangelhos (em A Doutrina Oculta), Hemus, São Paulo, 1977.
H.P. Blavatsky – Glosario Teosofico, Kier, Buenos Aires, 1957.
G.R.S. Mead – Fragments of a Faith Forgoteen, TPS, Londres, 1906. Reedição: University Books, New Work, 1972. Venda: Philosophical Research Society, Los Angeles, California.
G.R.S. Mead – Did Jesus Live 100 B.C.?, TPS, Londres, 1903. Reedição: University Books, New Work, 1968.
G.S.R. Mead – The Hymn of Jesus, TPH, Wheaton, 1973.
Geoffrey Hodson – The Christ Life from Nativity to Ascension, TPH, Wheaton, USA, 1975.
Geoffrey Hodson – The Hidden Wisdom in the Holy Bible (vol.I), TPH, Adyar, India, 1963.
Geoffrey Hodson – O Reino dos Deuses, Pensamento, SP, 1982. 
Geoffrey Hodson – A Fraternidade de Anjos e de Homens, Pensamento, São Paulo, 1982.
Geoffrey Hodson – O Lado Interno do Culto na Igreja, Pensamento, São Paulo, 1983.
Geoffrey Hodson – Os Anjos e a Nova Raça, Sociedade Teosófica, Rio de Janeiro, 1981. 
Robert S. McGinnis Jr. – The Essenes in Esoteric Perspective, American Theosophist, Wheaton, 1977.
James M. Robinson (editor) – The Nag Hammadi Library, Harper-Row, New Work, 1981.
Alvin B. Kuhn – The Lost Key to the Scriptures, The Theosophical Press, Wheaton, 1966.
Charles Francis Potter – The Lost Years of Jesus Revealed, Gold Medal Books, Fawcett Publications, Usa. 1958.
The Holy Bible, King James Version (1611), New Work, 1980.
Obs.: TPH – Theosophical Publishing House / TPS – Theosophical Publishing Society
Notas
[1] G.R.S. Mead – “Fragments of a Faith Forgoteen”, TPS, Londres, 1906.
[2] Idem, p.430.
[3] Geoffrey Hodson – “The Christ Life from Nativity to Ascension”, TPH, Wheaton, p.34.
[4] Idem, p.35.
[5] Blavatsky – “Glosario Teosofico”, Kier, Buenos Aires, p.742.
[6] Blavatsky – “Doutrina Oculta”, Hemus, SP, p.163.
[7] Idem, p. 173.
[8] G.R.S. Mead – “Fragments of a Faith Forgoteen”, TPS, Londres, 1906, p. 249.
[9] G. Hodson – “The Christ Life from Nativity to Ascension”, TPH, Wheaton, USA, 1975, p. 35.
[10] Idem, p. 34.
[11] TPS, Londres, 1903 (ver referências)
[12] Saint Alban Press, Ojai, (Usa), 1973, p.9.
[13] Alvin B. Kuhn – A Rebirth for Christianity, TPH, Wheaton, 1970
[14] Leadbeater – “The Inner Side of Christian Festivals”, p.9.
[15] Alvin B. Kuhn – “A Rebirth for Christianity”, TPH, Wheaton (Usa) p. 122.
[16] Leadbeater – Saint Alban Press, p.9.
[17] Annie Besant – “O Cristianismo Esotérico”, Pensamento, São Paulo, p.91
[18] Wizards, San Diego, 1982.
[19] Annie Besant – “O Cristianismo Esotérico”, Pensamento, São Paulo, 91.
[20] Leadbeater – “The Inner Side of Christian Festivals”, p.9.
[21] Coríntios – II, 12: 1-4
[22] Sociedade Teosófica – RJ – 1979, p.11.
[23] Idem, p.6.
[24] Idem, p.9.